"Tolerar a injustiça é relativamente aceitável, condenável é a intolerância da justiça". Leandro Francisco

domingo, 30 de janeiro de 2011

O perfil do magistrado sem compromisso

by Jose Luiz Oliveira de Almeida

03-O seu gabinete está sem apinhado de pessoas, por isso não despacha, alegando que não pode se furtar de orientar o jurisdicionado.
04-A sua mesa de trabalho está sempre tomada de processos, para impressionar o desavisado.
05-Ele só tem bom humor para conversar. Se alguém implora por um despacho, perde o bom humor. Fecha a cara. Demonstra irritação. Não é mais a mesma pessoa.
06-Quando chega na Comarca pede à escrivã que lhe traga apenas cinco processos conclusos de cada vez. Antes de viajar, os devolve nas mesmas condições.
07-Só recebe processo sem data de conclusão. Muito tempo depois, quando decide, finalmente, lançar algum despacho, lança o indefectível “R. Hoje”, transferindo a responsabilidade ao cartório pelo atraso.
08-Entrega os poucos despachos manuscritos, para que a escrivã desvendo o seu sentido e os digite. Se o despacho for equivocado, ele argumenta que foi a Escrivã que foi desatenciosa.
09-Quando chega à Comarca e recebe um pedido de habeas-corpus, pede informações em setenta e duas horas, pois que, assim, quando chegam as informações, ele já retornou para capital.
10-Quando o processo tem vários volumes, alega que é alérgico, para não ter que examiná-lo.
11-Se um advogado insiste na busca de um despacho, rompe com ele, em nome da imparcialidade.
12-O advogado que ousa apontar um defeito em sua decisão ou que se atreva a dela recorrer, comprou uma inimizade para vida eterna.
13-Tem verdadeiro pavor de quem levanta uma questão de ordem em uma audiência ou que questione uma deliberação sua. Quando isso ocorre e como quase sempre não sabe como resolver o impasse, costuma decidir de forma arbitrária e ainda desafia o causídico a recorrer de sua decisão.
14-Exige das testemunhas e dos réus, ainda que iletrados, que lhe chamem de Excelência ou Meritíssimo.
15-No ano de eleições, quatro meses antes do pleito, costuma lançar o seguinte despacho, já imprimido previamente: “Voltem os autos conclusos, após o período eleitoral”.
16-Costuma marcar audiência todos os dias, pela manhã e à tarde, exatamente para o período em que está de férias, na esperança de que o juiz que o substitua as realize. Se não as realiza, ainda tem o despudor de falar mal do colega.
17-Tira várias licenças para tratamento de saúde durante o ano. E ainda tem coragem de freqüentar os corredores do Tribunal com a pele bronzeada, vendendo saúde.
18-Está sempre reclamando que sessenta dias de férias é muito pouco para recompor as energias despendidas durante o ano.
19-Está sempre desestimulado para o trabalho, alegando que ganha pouco. Possui dossiê dos ganhos dos juízes de todos os Estados e está sempre estabelecendo comparação com os que ganham mais, para demonstrar que está sendo mal remunerado.
20.Não compra livros e os que toma emprestado não costuma devolver.
21-Sobre livros, cunhou uma máxima: “não os tenho; não os compro”.
22-Está sempre disposto a ouvir uma piada pelos corredores do Fórum. Para, ouve, ri e, depois, …pensa que ele vai trabalhar?… volta a ouvir história, agora em seu gabinete, no ar condicionado e regado a cafezinho.
23-Sobre ele os advogados costumam dizer: não trabalha, mas é gente boa.
24-Nos corredores do Fórum passa esbanjando simpatia, a todos cumprimenta, dando tapinhas nas costas. Não há quem resista a tanta simpatia.
25-Tem o senso crítico aguçado. Os seus erros são desculpáveis; os dos colegas, imperdoáveis.
26-Ele nunca redige os seus despachos. Dita à escrivã ou pede que reproduza os dos colegas que o antecederam.
27-Ele nunca erra, mas vive se equivocando.
28-Ele aparenta estar sempre cansado – para despachar; para ouvir piada, para trocar uma prosa, ele é todo ouvido.
29-O gabinete dele mais parece um comitê eleitoral. Está sempre lotado de amigos e prosadores. Está sempre planejando algo para os finais de semana. Gosta de uma cerveja e um churrasco. Nem o colesterol o preocupada. Tem um barrigão respeitável, fruto do seu sedentarismo.
30-Não costuma designar audiência. Se designa, não comparece e manda certificar que o ato não se realizou por motivo de força maior. Quando comparece, o faz fora de hora.
31-Adora a brisa que colhe na porta do Tribunal de Justiça, nas tardes de sexta e nas manhãs de segunda. As terças e quintas, quando não está indo o voltando da Comarca, fica em casa para não ser flagrado no ócio.
32-Quando está na capital, está sempre voltando para sua Comarca; quando está na Comarca, está sempre voltando para capital, para tratar de assuntos inadiáveis.
33-No Tribunal, quando lhe questionam a produtividade, dá sempre como desculpa a falta de adaptação à comarca.
34-Quando abre vaga para promoção, é quem primeiro inicia o périplo pelos corredores do Tribunal pedindo voto.
35-Ele não deixa de, vindo do interior, trazer algum agrado a um Desembargador, afinal, ele sabe que, para ser promovido, não precisa trabalhar. Basta ser simpático. E simpatia ele tem pra dar e vender. Alguém duvida que ele será promovido?
36-Ele supre a falta de produtividade com um abraço e um tapinha nas costas.
37-Ele não produz, mas, em compensação, não perde um aniversário, de qualquer parente, de qualquer desembargador. Se um desembargador a
doece, é quem primeiro chega ao hospital. Se espirra, deseja-lhe saúde e lhe fornece logo um lenço. Se está em pé, lhe cede logo a cadeira.
38-Ele sempre apresenta como desculpa para baixa produtividade a saudade da família. Ninguém ama mais a família do que um juiz sem compromisso. A “doença” de um filho é sempre mais um motivo para não ir à comarca.
39-Ele costuma dizer que, quando chegar à capital, tudo será diferente. Aí, sim, vai mostrar como se trabalha, porque, aqui, está perto das pessoas que ama.
40-Quando chega à capital, alega, para não trabalhar, que aqui as condições de trabalho são piores do que as do interior.
41-Nos primeiros anos de comarca, no interior ou na capital, alega sempre que está tomando pé da situação.
42-Se promovido para uma vara cível, diz que gosta mesmo é do Direito Penal.. Se promovido para uma vara criminal, alega que o crime não compensa e que tem afinidade mesmo é com as questões de família. E assim vai, enrolando aqui e acolá, engordando e fazendo projeções para quando for desembargador.
43-Quando se defronta com um juiz trabalhador, costuma dizer que ele quer ser melhor que os outros, que quer consertar o mundo, que é arrogante e prepotente.
44-Quando lhe questionam a produtividade, costuma dizer que não veio para consertar o mundo, mas para viver.
45-Para justificar a baixa produtividade, alega que os processos de sua vara são os mais complicados.
46-Ele tem preferência pelos seguintes despachos:
46.1-Se está respondendo por um colega:
“Aguarde-se a volta do titular”
46.2-se está em sua vara:
“Aguardem-se os autos em cartório, até ulterior deliberação”
46.3 Três meses antes das férias:
“Aguardem os autos em cartório, até que o signatário retorne das férias”
46.4-três meses antes das eleições, quando tem função eleitoral:
“Voltem os autos conclusos, após o período eleitoral”
46.5-Quando, finalmente, lança um despacho:
“Atrasado, por acúmulo de serviços”
46.6-Quando não tem mais para onde apelar, decide fazer correição. A partir daí lança sempre o mesmo despacho.
“Vistos em correição.
Aguardem os autos em cartório, até que se encerrem os trabalhos correicionais”
E assim ele vai levando, até ser promovido a Desembargador, por merecimento.
A partir daí, ninguém sabe mais o que vai aprontar.
Agora é entregar a Deus a sorte dos seus jurisdicionados.

Fonte: Disponível em: http://joseluizalmeida.com/2006/09/21/o-perfil-do-magistrado-sem-compromisso/

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