"Tolerar a injustiça é relativamente aceitável, condenável é a intolerância da justiça". Leandro Francisco

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O AMOR de Gibran Khalil Gibran

Quando o amor vos chamar, segui-o,
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos
Como o vento devasta o jardim.
Pois, da mesma forma que o amor vos coroa,
Assim ele vos crucifica.
E da mesma forma que contribui para vosso crescimento,
Trabalha para vossa queda.
E da mesma forma que alcança vossa altura
E acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
Assim também desce até vossas raízes
E as sacode no seu apego à terra.
Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.
Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma
No pão místico do banquete divino.
Todas essas coisas, o amor operará em vós
Para que conheçais os segredos de vossos corações
E, com esse conhecimento,
Vos convertais no pão místico do banquete divino.
Todavia, se no vosso temor,
Procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor,
Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez
E abandonásseis a eira do amor,
Para entrar num mundo sem estações,
Onde rireis, mas não todos os vossos risos,
E chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.
O amor nada dá senão de si próprio
E nada recebe senão de si próprio.
O amor não possui, nem se deixa possuir.
Porque o amor basta-se a si mesmo.
Quando um de vós ama, que não diga:“Deus está no meu coração”,
Mas que diga antes:"Eu estou no coração de Deus”.
E não imagineis que possais dirigir o curso do amor,
Pois o amor, se vos achar dignos,
Determinará ele próprio o vosso curso.
O amor não tem outro desejo
Senão o de atingir a sua plenitude.
Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos,
Sejam estes os vossos desejos:
De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho
Que canta sua melodia para a noite;
De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;
De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor
E de sangrardes de boa vontade e com alegria;
De acordardes na aurora com o coração alado
E agradecerdes por um novo dia de amor;
De descansardes ao meio-dia
E meditardes sobre o êxtase do amor;
De voltardes para casa à noite com gratidão;
E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado,
E nos lábios uma canção de bem-aventurança".
Gibran Khalil Gibran

Ambição e poder no jogo do vale-tudo!

A ambição, regra geral, sempre foi tema de novelas, de peças de teatro, de enredos de filmes e romances. É o sentimento chave para mobilizar as grandes teias de intriga, seja a simples ambição pela valorização pessoal ao desejo de poder e riqueza. Basta que uma pessoa tenha problemas com sua auto-estima que a ambição surge como um instrumento para a obtenção do sucesso e da fama. Até na literatura sagrada podemos encontrar o registro da ambição movendo personagens e tramas. Para entender bem o que é a ambição é necessário compreender a palavra. Proveniente do latim “ambire” significa “mover-se livremente”, o que podemos entender como criar nosso próprio caminho na vida, saber o que queremos e tentar alcançar nossos objetivos.
Nada disto, no entanto, tem a ver com o que hoje entendemos por ambição, uma engrenagem no jogo do vale-tudo – mesmo pisando no outro – , uma ganância exagerada , uma neurose obsessiva. Este é o lado negro da força impulsionadora das nossas realizações, quando o desejo é cego e o ser humano perde o controle. É o desejo que passa a dominar as pessoas, tornando-se o foco principal e se transformando em egoísmo, em sinônimo de arrogância. Toda essa confusão de conceitos só faz confundir as cabeças de pessoas bem-intencionadas que querem acertar.
A humildade, por exemplo, passa a ser uma virtude facilmente manipulável. É fácil demonstrar uma humildade pública, mascarando a arrogância, dando uma visão distorcida do que é necessário para obter sucesso na vida. Humildade passa a ser a habilidade de não falar de si próprio, bem distante daquela virtude de ter coragem de ouvir críticas, aprender com os erros e aceitar outros pontos de vista. Assim, ambição não é arrogância, arrogância não é humildade e humildade não é incorporar uma personagem.
Pode-se dizer que a ambição é, pois, o desejo de crescer, de ser melhor, de se arriscar e testar seus limites. Como na vida tudo é escolha e a dualidade é presente em todas as situações, há sempre quem prefira a derrota que a vergonha de não ter lutado, de não ter aceito o caminho imposto por outro. É possível até que a ambição tenha adquirido esse conceito como o conhecemos por causa da inveja daqueles que não souberam criar o seu próprio caminho. Ambição não é apenas correr atrás do dinheiro, mas escrever seu destino sem terceirizar a própria vida. Aliás, ganhar dinheiro é a mais pobre de todas as ambições, pois isso deveria ser apenas um meio de atingir os verdadeiros objetivos.
A ética do cuidado passa então a dirigir seu foco, mais uma vez, para o egoísmo. Neste caso, a ética passa a ser o limite para ambição, imposto pela pessoa a si mesma. É tudo que ela não se permite para atingir seus objetivos. São situações que podemos definir e ensinar desde a infância, quando não aceitamos uma boa nota do nosso filho, sabendo que ele colou. Na realidade, a ética deveria ser apreendida antes mesmo que a criança entendesse o que é ambição, assim evitaríamos sonhar os sonhos que não são nossos e de não frustrarmos pelo que os outros entendem como fracasso. Entenderíamos que a persistência é importante para realizar nossos desejos e persistir é manter o foco, a firmeza de propósitos, agir enfrentando as dificuldades – mudando ou criando novas estratégias – e assumindo responsabilidades pessoais.
Talvez a mais importante tarefa dos pais seja definir, desde cedo, um comportamento ético, que permita compreender a ambição – e não a ganância – como um impulso bom, que desperta desejos, promove o desenvolvimento e estimula a superação e a perseverança. A ambição desmedida é ganância e sob este ponto de vista tudo é contrário, o comprometimento é obsessão, a perseverança é teimosia, o poder é prepotência e a liberdade é um pássaro engaiolado incapaz de entoar cantigas ao cair da tarde.

Fonte: Kleber Adorno