"Tolerar a injustiça é relativamente aceitável, condenável é a intolerância da justiça". Leandro Francisco

terça-feira, 22 de março de 2011

O Moleiro de Sans-Souci

De onde vem a incompreendida expressão “ainda existem juízes em Berlim”?
Trata-se de um episódio que teria ocorrido no século XVIII, imortalizado pelos versos do escritor francês François Guillaume Jean Stanilas Andrieux (1759-1833) no conto "O Moleiro de Sans-Souci".
Conta-se que Frederico II, “o Grande”, rei da Prússia, um dos maiores exemplos de “déspota esclarecido”, exímio estrategista militar e ao mesmo tempo amante das artes, amigo de Voltaire, resolveu construir um palácio de verão em Potsdam, próximo a Berlim. O rei escolheu a encosta de uma colina, onde já se elevava um moinho de vento, o Moinho de Sans-Souci, e resolveu chamar seu palácio do mesmo modo (Sans-Souci significa “sem preocupação”).
Alguns anos após, porém, o rei resolveu expandir seu castelo e, um dia, incomodado pelo moinho que o impedia de ampliar uma ala, decidiu comprá-lo, ao que o moleiro recusou, argumentando que não poderia vender sua casa, onde seu pai havia falecido e seus filhos haveriam de nascer. O rei insistiu, dizendo que, se quisesse, poderia simplesmente lhe tomar a propriedade. Nesse momento o moleiro teria dito a célebre frase: “Como se não houvesse juízes em Berlim!”
Pasmo com a ousada e certamente ingênua resposta, que indicaria a disposição do moleiro em litigar com o próprio rei na justiça, Frederico II decidiu alterar seus planos, deixando o sujeito (e seu moinho) em paz.
François Andriex concluiu o conto com certa dose de melancolia, ao mencionar que o respeito real acabou prejudicando a própria província. Ao que parece, o escritor lamentou o recuo do rei diante de um insignificante moleiro.
Entretanto, o episódio imortalizado em versos passou para a história como um símbolo da independência possível e desejável da Justiça.
Para o moleiro, a Justiça certamente seria cega para as diferenças sociais e não o distinguiria do rei, mesmo em uma monarquia. Sua corajosa resposta e o recuo respeitoso do rei passaram a ser lembrados para demonstrar situações em que o Judiciário deve limitar o poder absoluto dos governantes.
Até hoje o moinho existe e sempre que um juiz corajoso se posiciona com independência e justiça, ouvimos a expressão 'ainda existem juízes...'
Felizmente talvez ainda se possa dizer e ouvir essa expressão, no nosso Brasil.
Sim, porque a independência dos tribunais é efetivamente uma das condições "sine qua non" para a saúde do estado de direito
A democracia se conquista e se constrói!
A justiça brasileira, vem a anos na tentativa dessa construção, brecando-se, no entanto, numa pretensa autonomia soberana, na dramaturgia ritual das audiências, nos procedimentos formais, técnicos, ininteligíveis para a maior parte dos cidadãos.
Ela se demenciou de poder incontrolado, desvairou de impunidade, feriu a consciência da cidadania.

Foi preciso chegar ao limite do inefável, com fugas clamorosas a segredos guardados no recato das páginas de processos em investigação, com sentenças que chocaram o escrúpulo ético mínimo, até de uma opinião pública menor, forjada na escola do deixa andar, para que se começasse a entender e publicitar a enormidade do desmando dos nossos tribunais.
Os magistrados precisam saber que a justiça não é território intocável, imune à crítica, cimentado num silêncio que visa a resignação da impotência.
Em nossa pequena Paulo Afonso, essa expressão é dita todos os dias no Fórum, pois decisões são proferidas a ermo, de acordo com a simpatia do rei, só que esse rei, não é Frederico II, “o Grande”, rei da Prússia, assemelha-se mais, a Gaddafi.


Esse conto, é um apreço pela própria honra que, simultaneamente, demonstra a relevância de uma comum identidade ética – que nos falta, e vem sendo dilapidada onde existe..
Sou Sombra, e, como se ainda houvesse juízes em Paulo Afonso-BA, afasto-me.

Au revoir.

Notícias de terça-feira, 22/03/2011


Governador defende cassação de Jaqueline Roriz na Câmara
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), defendeu ontem a cassação da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), filmada recebendo dinheiro do delator do mensalão do DEM, Durval Barbosa. Segundo a reportagem, Agnelo afirmou que o PT deve apoiar a cassação de Jaqueline no Conselho de Ética da Câmara.

Sociedade
Metade das cidades brasileiras terá falta de água em 2015
Estudo feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) mais da metade dos municípios brasileiros (55% do total) terá deficit de abastecimento de água em 2015. Segundo reportagem do Estadão, são necessários investimentos de R$ 22,2 bilhões para evitar o risco de um colapso total até 2025. Para tratar também os esgotos jogados nos rios, o que impede a reutilização das águas, serão necessários cerca de R$ 70 bilhões.

Em São Paulo, 23% acabam 2º ano sem ler e escrever
Teste promovido pela prefeitura de São Paulo revela que dos 48 mil avaliados no 2.º ano do ciclo 1, mais de 11 mil ainda não estavam alfabetizados. De acordo com reportagem do Estadão, isso significa que uma em cada quatro crianças das escolas municipais da cidade de São Paulo termina o 2.º ano do ensino fundamental sem saber ler e escrever. O número, considerado insatisfatório, melhorou nos últimos anos. Em 2007, quando a prova foi aplicada pela primeira vez, indicou que 39% dos alunos do 2.º ano do ciclo 1 não estavam alfabetizados.

Mundo
Ex-presidente de Israel é condenado por estupro
O ex-presidente de Israel Moshe Katsav foi condenado hoje no Tribunal de Distrito de Tel Aviv a sete anos de prisão por estupro e assédio sexual. Segundo reportagem do jornal El Pais, ele enfrentava a possibilidade de ser condenado a até 16 anos de prisão, e a Promotoria exigira um castigo exemplar pelos delitos dos quais havia sido declarado culpado em dezembro. Katsav, chefe de Estado de Israel entre 2000 e 2007, também foi condenado a dois anos de liberdade condicional e a pagar 100 mil shekels (US$ 28.300) a uma das vítimas.

Justiça britânica dá R$ 231 mil a brasileira humilhada por sotaque
A justiça do Reino Unido deu ganho de causa à uma brasileira ridicularizada no trabalho e apelidada pelos colegas de Bob Esponja por causa de seu sotaque ganhou na Justiça britânica uma indenização de quase 142 mil libras (cerca de R$ 231 mil). Segundo reportagem da Folha, colegas gravavam sua voz e tocavam as gravações para ela, debochando de seu sotaque. Lícia Faithful, 31, disse ter sofrido com depressão e estresse pós-traumático após 18 meses sofrendo discriminação racial na empresa de seguros.

Posição brasileira irrita rebeldes na Líbia
Reportagem do Estadão mostra que rebeldes líbios criticaram governo brasileiro por abstenção no Conselho de Segurança. Segundo relato do repórter, eles perguntam por que o Brasil se absteve na votação do Conselho de Segurança da ONU que autorizou a zona de exclusão aérea. Fanáticos por futebol, os líbios têm – ou tinham – apreço pelo Brasil. Agora, tentam entender por que esse apreço, na sua interpretação, não é retribuído. “O governo brasileiro apoia Kadafi”, constata Shekey. “Deve ser por causa de dinheiro. Talvez vocês tenham medo de que seus investimentos sejam prejudicados.”

Cortes de energia elétrica afetarão 10 milhões de japoneses
Por causa dos problemas gerados pelo terremoto seguido de tsunami do último dia 11 de março, dez milhões de japoneses serão afetadas hoje pelos cortes de luz que voltarão a ser aplicados pela empresa Tokyo Electric Power Company (Tepco). De acordo com reportagem do Estadão, os cortes de energia terão até três horas de duração e serão aplicados em quatro regiões distintas do Japão, em diferentes momentos do dia.

Economia
Para 83%, inflação irá permanecer em alta
Pesquisa do Datafolha publicada hoje mostra que o brasileiro não está muito otimista em relação à estabilidade da inflação. Segundo reportagem da Folha, 41% da população acha que a inflação vai aumentar nos próximos meses e 42% acham que ela continuará alta como está. Apenas 13% da população acredita que a inflação vai diminuir, apesar das medidas tomadas pelas autoridades para segurar os preços.

Viagens de avião superam as de ônibus
Pesquisa realizada pela Folha mostra que o número de passageiros de avião superou neste ano o de viajantes de ônibus interestaduais pela primeira vez. De acordo com a reportagem, no ano passado o país registrou 66 milhões de passageiros de avião em ligações entre Estados -maior número já alcançado pela aviação. Já o número de passageiros de ônibus foi próximo de 67 milhões em 2010.

Fonte: Época - Ana Galli

Se você não leu, precisa ler essa entrevista, incrivelmente franca, da nova corregedora do Conselho Nacional de Justiça

A ministra Eliana Calmon, a nova corregedora do CNJ: "Eu sou uma rebelde que fala"

Diretamente da Coluna de Ricardo Setti literis:

"Amigos do blog, não sei se jamais li entrevista tão franca de um magistrado sobre as mazelas e problemas do Judiciário como esta, incrível, da ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nova corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão fiscalizador do Judiciário, publicada em VEJA.
Mesmo tendo ido para os assinantes e para as bancas há mais de um mês — a edição é de 29 de setembro –, julgo ser do meu dever postar aqui no blog.
O autor da entrevista foi o jornalista Rodrigo Rangel. O título original é o que vai abaixo. Não percam.
A corte dos padrinhos
A nova corregedora do Conselho Nacional de Justiça diz que é comum a troca de favores entre magistrados e políticos
A ministra Eliana Calmon é conhecida no mundo jurídico por chamar as coisas pelo que elas são. Há onze anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana já se envolveu em brigas ferozes com colegas — a mais recente delas com o então presidente Cesar Asfor Rocha.
Recém-empossada no cargo de corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra passa a deter, pelos próximos dois anos, a missão de fiscalizar o desempenho de juízes de todo o país.
A tarefa será árdua. Criado oficialmente em 2004, o CNJ nasceu sob críticas dos juízes, que rejeitavam a ideia de ser submetidos a um órgão de controle externo. Nos últimos dois anos, o conselho abriu mais de 100 processos para investigar magistrados e afastou 34.
Em entrevista a VEJA, Eliana Calmon mostra o porquê de sua fama. Ela diz que o Judiciário está contaminado pela politicagem miúda, o que faz com que juízes produzam decisões sob medida para atender aos interesses dos políticos, que, por sua vez, são os patrocinadores das indicações dos ministros.
Por que nos últimos anos pipocaram tantas denúncias de corrupção no Judiciário?
Durante anos, ninguém tomou conta dos juízes, pouco se fiscalizou. A corrupção começa embaixo. Não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar, um habeas corpus ou uma sentença. Os juízes que se sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções. Os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão.
A senhora quer dizer que a ascensão funcional na magistratura depende dessa troca de favores?
O ideal seria que as promoções acontecessem por mérito. Hoje é a política que define o preenchimento de vagas nos tribunais superiores, por exemplo. Os piores magistrados terminam sendo os mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problema com ninguém porque sabe que num embate ele levará a pior. Esse chegará ao topo do Judiciário.
Esse problema atinge também os tribunais superiores, onde as nomeações são feitas pelo presidente da República?
Estamos falando de outra questão muito séria. É como o braço político se infiltra no Poder Judiciário. Recentemente, para atender a um pedido político, o STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal.
A tese que a senhora critica foi usada pelo ministro Cesar Asfor Rocha para trancar a Operação Castelo de Areia, que investigou pagamentos da empreiteira Camargo Corrêa a vários políticos.
É uma tese equivocada, que serve muito bem a interesses políticos. O STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal. De fato, uma simples carta apócrifa não deve ser considerada. Mas, se a Polícia Federal recebe a denúncia, investiga e vê que é verdadeira, e a investigação chega ao tribunal com todas as provas, você vai desconsiderar? Tem cabimento isso? Não tem. A denúncia anônima só vale quando o denunciado é um traficante? Há uma mistura e uma intimidade indecente com o poder.
Existe essa relação de subserviência da Justiça ao mundo da política?
Para ascender na carreira, o juiz precisa dos políticos. Nos tribunais superiores, o critério é única e exclusivamente político.
Mas a senhora, como todos os demais ministros, chegou ao STJ por meio desse mecanismo.
Certa vez me perguntaram se eu tinha padrinhos políticos. Eu disse: “Claro, se não tivesse, não estaria aqui”. Eu sou fruto de um sistema. Para entrar num tribunal como o STJ, seu nome tem de primeiro passar pelo crivo dos ministros, depois do presidente da República e ainda do Senado. O ministro escolhido sai devendo a todo mundo.
No caso da senhora, alguém já tentou cobrar a fatura depois?
Nunca. Eles têm medo desse meu jeito. Eu não sou a única rebelde nesse sistema, mas sou uma rebelde que fala. Há colegas que, quando chegam para montar o gabinete, não têm o direito de escolher um assessor sequer, porque já está tudo preenchido por indicação política.
Há um assunto tabu na Justiça que é a atuação de advogados que também são filhos ou parentes de ministros. Como a senhora observa essa prática?
Infelizmente, é uma realidade, que inclusive já denunciei no STJ. Mas a gente sabe que continua e não tem regra para coibir. É um problema muito sério. Eles vendem a imagem dos ministros. Dizem que têm trânsito na corte e exibem isso a seus clientes.
E como resolver esse problema?
Não há lei que resolva isso. É falta de caráter. Esses filhos de ministros tinham de ter estofo moral para saber disso. Normalmente, eles nem sequer fazem uma sustentação oral no tribunal. De modo geral, eles não botam procuração nos autos, não escrevem. Na hora do julgamento, aparecem para entregar memoriais que eles nem sequer escreveram. Quase sempre é só lobby.
Como corregedora, o que a senhora pretende fazer?
Nós, magistrados, temos tendência a ficar prepotentes e vaidosos. Isso faz com que o juiz se ache um super-homem decidindo a vida alheia. Nossa roupa tem renda, botão, cinturão, fivela, uma mangona, uma camisa por dentro com gola de ponta virada. Não pode. Essas togas, essas vestes talares, essa prática de entrar em fila indiana, tudo isso faz com que a gente fique cada vez mais inflado. Precisamos ter cuidado para ter práticas de humildade dentro do Judiciário. É preciso acabar com essa doença que é a “juizite”. "


Infelizmente essa é a CARA do nosso Judiciário, dito pela propria ministra/corregedora do CNJ, Eliane Calmon, pois, como se sabe esse mundo de "deuses",  "semideuses" com doença de "juizite", é algo que assola o nosso país. E digo, está em Paulo Afonso também.
Torna-se nocivo, comprometido, viciado, entre outros, o trabalho de um juiz por vários anos na mesma Comarca. É o mesmo que falar nas ditaduras militares, em Gadaffi...
Soube que o Forúm vem sendo fiscalizado, e que inclusive muitas sentanças que estavam por serem prolatas, em cima dos birôs, por anos a fio, foram elaboradas, assinadas e publicadas.
Tudo bem, que algumas, contiveram e outras irão conter, a mão pesada de um juiz "chateado"por ter sido representado, mas o importante, é que os processos saiam de seu gabinete, e 'suba', pois ainda se tem outros Tribunais!!!!