"Tolerar a injustiça é relativamente aceitável, condenável é a intolerância da justiça". Leandro Francisco

domingo, 13 de março de 2011

Maioria de parques tem área irregular

De 251 unidades de conservação federais, 188 ainda abrigam terra particular, somando 20 milhões de hectares

Extensão equivale ao Estado do Paraná e faz com que objetivos de preservação acabem não sendo cumpridos

Dados do ICMBio (Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade) indicam que três em cada dez hectares que integram unidades de conservação federais do país não são públicos.
O órgão, responsável pelos parques, reservas e florestas direcionadas à preservação, sequer sabe ao certo de quem são essas áreas.
Das 251 unidades de conservação cujo território deve ser obrigatoriamente público, 188 ainda têm proprietários particulares em seu interior. Vários deles são ocupantes legítimos, que não foram indenizados pelo governo para sair de tais locais.
Essas 251 áreas protegidas somam 65,4 milhões de hectares. Desses, o governo não tem a documentação de 30,8%, ou 20,2 milhões de hectares, extensão equivalente ao Paraná.
Na prática, essa situação impede as unidades de cumprirem plenamente seus objetivos de conservar biodiversidade e paisagens naturais.
Isso porque o governo não pode dispor dessas áreas. Se um pecuarista tiver uma fazenda dentro de uma delas, por exemplo, pode continuar produzindo (desde que não amplie sua atividade).
No parque nacional da Serra da Bocaina, entre o Rio e São Paulo, há uma centena de proprietários que não só cultivam suas áreas como usam fogo para limpá-las.
No parque da Serra da Canastra, que abriga as nascentes do rio São Francisco, há fazendeiros e mais de 50 mineradoras. O interesse da população e das empresas levou parlamentares de Minas Gerais a propor a exclusão de 50 mil hectares do miolo do parque; o governo aceitou cortar apenas 9.000.
"A regularização fundiária sempre foi um defunto no armário, no qual ninguém quer mexer", disse à Folha o presidente do ICMBio, Rômulo Mello. "O passivo é enorme. Como eu vou dizer para não queimar a Bocaina se tem proprietários lá dentro que usam práticas preconizadas pela agronomia brasileira?"

NA CANETA
O passivo começa quando a unidade de conservação é criada. Em vez de já pagar pela desapropriação de todas as áreas destinadas, o governo primeiro publica o decreto criando a unidade e só depois busca a regularização.
Se o proprietário discordar dos valores propostos, pode reclamar na Justiça. A Advocacia-Geral da União está listando todas as ações que discutem as desapropriações.
A identificação da propriedade das terras é por exclusão. Feito o desenho das unidades, o governo busca documentos que identifiquem as terras públicas. O que sobrar é "presumivelmente privado", segundo o ICMBio.
A identificação é complicada, pois as maiores unidades ficam na Amazônia Legal. "E, na Amazônia, ninguém sabe quem é o dono da terra", diz Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
O órgão diz que pretende fazer ofensiva para adquirir as áreas. Para isso, capacitou 23 técnicos para vistoriar os imóveis desapropriados. Há um ano, eram apenas duas pessoas fazendo essa função.
O ICMBio tem R$ 45 milhões reservados neste ano para essas indenizações. O valor é "substancialmente maior" do que o de anos anteriores, disse o órgão, que não especificou de quanto foi o montante em outros anos.

"Dupla" Tirso e Virso quer manter terra em floresta

DE BRASÍLIA

A polêmica mais recente em torno da ocupação de áreas protegidas atende pelos nomes de Tirso e Virso.
É como são conhecidos dois grileiros que tomaram para si uma área de 25 mil hectares na Flona (Floresta Nacional) do Jamanxim, na região sul do Pará.
A Flona, de 1,3 milhão de hectares, ficou conhecida como palco das operações de captura de "bois piratas" (criados em áreas de desmatamento ilegal) na gestão do ministro Carlos Minc.
Seus moradores exigem que a área da floresta seja reduzida em 90%. O restante seria colocado na categoria de APA (Área de Proteção Ambiental), que apesar do nome não protege muita coisa (Brasília é uma APA).
No mês passado, numa reunião com o ICMBio na cidade de Novo Progresso, vetaram a criação de conselho consultivo para a Flona e rejeitaram proposta de receber 37 mil hectares.
Dizem que há 6.000 pessoas morando na Flona, e que a unidade lhes foi imposta em 2006, sem consulta.
Contam, em seu pleito, com o apoio de parlamentares do Pará, como o senador Flexa Ribeiro (PSDB).
"Há má vontade do governo em responder o que eles colocam como sugestão", diz o senador. "O governo não cumpriu a Constituição. Tinha de fazer o levantamento das pessoas que estão lá . Querem expulsar gente que foi levada para lá há décadas, pelo próprio governo."
O ICMBio conta uma história diferente. "O primeiro censo que nós fizemos estimou 400 e poucas pessoas na Flona", disse Rômulo Mello. A contabilidade não é certa porque nem todos moram lá dentro. (CA e JCM)
Fonte: Folha de São Paulo, 13 mar. 2011-03-13 - Caderno Ciência
CLAUDIO ANGELO
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BRASÍLIA


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